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Em seu recente livro “Critique et Architecture. Un état des lieux contemporains” [Crítica e Arquitetura. Um estado dos lugares contemporâneos] (2019), Hélène Jannière apresentou como que a crítica da arquitetura tem uma história. Mais especificamente entre a década de 1930 e fins da década de 1970, a autora demonstrou as modulações e as questões que se levantaram em meio a um processo de especialização. Seguindo a leitura de seu livro, pode-se identificar algumas balizas importantes deste processo. Por exemplo, ao longo da década de 1930, as revistas de arquitetura haviam se tornado um espaço privilegiado para debates dos críticos. Nos textos produzidos neste período, pode-se reconhecer um distanciamento daqueles que se reconheciam como história. Seus autores justificavam essa cisão por se engajar na promoção de uma nascente arquitetura moderna, como se os discursos sobre o passado não estivessem também implicados pelas lutas de seus autores no presente e, portanto, nos seus projetos de futuro.

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Contudo, ainda seguindo a leitura de Hélène Jannière (2019, p.60), é no pós-guerra que a crítica arquitetônica passa a evidenciar cada vez mais a necessidade de se debater as especificidades de seu papel, sua autonomia e critérios. Neste novo momento, contemporâneo à crise do “movimento moderno”, a atividade dos críticos parece se distanciar de uma atitude de promoção da produção arquitetônica e a investir na renovação das teorias da arquitetura, buscando preencher àquilo que era sentido como insuficiente ou desatualizado na postura crítica precedente. A autora aponta a ascensão de uma crítica visual que busca, sobretudo, objetivar os critérios da crítica arquitetônica. Não por acaso, trata-se do tempo em que a teoria da Gestalt ganha cada vez mais presença nos debates.

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No início dos anos 1960, a busca por autonomia passa a ser marcada por outros dois movimentos. Por um lado, a presença cada vez mais constante dos críticos nos círculos acadêmicos e a construção de uma postura científica para a crítica; por outro lado, a constituição de espaços cada vez mais especializados que buscam precisar as relações e as fronteiras entre a história, a teoria e a crítica. Estes dois movimentos marcariam um afastamento da teoria da Gestalt e, em seu turno, amplificariam tanto as pesquisas de metodologias de concepção, dos design studies e da teoria da forma, quanto instrumentos de leitura da arquitetura considerada como linguagem, aproximando-a, portanto, de estudos semiológicos.

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A narrativa conduzida por Hélène Jannière, apesar do esquematismo que os limites da redação dessa apresentação impõem, baseia-se numa fina e complexa atenção às revistas de arte e de arquitetura, aos livros e seus autores e também aos espaços de circulação e associação dos seus principais participes. Não faltam, portanto, referências às revistas Architectural Record, Progressive Architecture, AIA Journal, l’Architecture d’Aujourd’hui e Casabella, para citarmos apenas algumas. Bem como, não deixam de ser avaliados percursos como os de Siegfried Giedion, Bruno Zevi, Manfredo Tafuri e Lionello Venturi, dentre vários.

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No Brasil, não contamos com esforço de semelhante monta de sistematização em relação a história da crítica da arquitetura. O que não significa que não haja contribuições expressivas e que elas não nos ajudem a interpretar o seu desenvolvimento no país.

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Para lidar precisamente com esse período – entre as décadas de 1930 e 1970 – no Brasil, a bibliografia sobre o assunto pode ser organizada em dois grandes conjuntos. Um primeiro, que parte dos estudos da história da arte para se dedicar à historiografia da crítica da arquitetura e cujo enfoque centra-se sobretudo na figura do crítico Mário Pedrosa; e um segundo, formado por grupo de estudiosos interessados na historiografia da arquitetura moderna e que mapeiam seus principais intérpretes, veículos de difusão e problematização. No primeiro grupo, deve-se destacar o trabalho de Aracy Amaral (1981) e Otília Arantes (1991) e, no segundo, uma série de trabalhos como os Carlos Martins (1999), Nelci Tinem (2006) e, com relação a um olhar mais específico para os periódicos, Maria Beatriz Cappello (2016).

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Esses dois grandes conjuntos de textos desenham também alguns limites. Enquanto os livros de Aracy Amaral e Otília Arantes interpretam as fontes, as questões e os afetos que levaram Mário Pedrosa a se dedicar cada vez mais a temas arquitetônicos e, assim, a partir do caso particular dar a ver um movimento maior de seu próprio campo, os trabalhos de Martins, Tinem e Cappello enquadraram a não neutralidade das narrativas, apresentando as revistas e os livros em que a crítica arquitetônica ganhou forma. Tomados assim, fechados em seus conteúdos, esses dois conjuntos de leituras parecem arquipélagos de paisagens geográficas e epistemológicas totalmente diferentes. No entanto, não haveria rotas e correntes que permitissem a navegação entre eles?

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É justamente tentando responder a esta pergunta que o presente colóquio se desenhou. Nos trabalhos que serão apresentados durante os dois dias do evento, buscou-se viabilizar uma perspectiva comparada. Com este mesmo objetivo, as apresentações se concentram em um período delimitado, interpretam a produção da crítica arquitetônica realizada de meados da década de 1940 até meados da década de 1960. Um período em que, para Hélène Jannière, se evidenciou um discurso de autonomização da crítica e em que, para os intérpretes brasileiros, apresenta uma produção pujante. Portanto, uma delimitação que busca enfrentar a paisagem fragmenta descrita acima com abertura e aprofundamento. Proporcionando ao público que assistirá ao colóquio diferentes visadas sobre um mesmo objeto, grupo de questões e rede de atores.

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Não obstante, trafegando por um período que viu multiplicar e ampliar a escala das mais diferentes mídias – os jornais de grande circulação, as revistas ilustradas, as revistas especializadas, o cinema e, pouco a pouco, os programas de televisão –, a organização do colóquio instigou seus participantes a trabalharem a especificidade e o impacto dos modos de difusão da crítica. Afinal, como afirma Dosse (2018, p.16) ao apresentar algumas especificidades da produção intelectual francesa desenvolvida entre 1944 e 1989, o lugar dos intelectuais deste período foi diretamente afetado pela “[...] massificação de seus públicos e a sua midiatização cada vez mais potente” (tradução nossa).

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Sobre este aspecto e, em relação mais direta, aos intelectuais dedicados à crítica arquitetônica, devemos mencionar que, inúmeros trabalhos recentes, no Brasil e no exterior, vêm abordando o papel preponderante que revistas especializadas em arquitetura tiveram no período (CAPELLO, 2005; PARNELL, 2011; JANNIÈRE, 2019). No entanto, ao consultar acervos como a hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (PEIXOTO, 2020a; 2020b) ou acessando trabalhos como os de Paula Dedecca (2018), podemos constatar a participação significativa de críticos interessados em arquitetura na redação de jornais de grande circulação. Nesse contexto, vale mencionar ainda a relação estreita que se estabeleceu entre veículos de comunicação, organização de museus de arte moderna e amplificação da produção e difusão da crítica.

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Como se pode observar, o colóquio busca enquadrar a crítica da arquitetura de modo alargado. Longe de buscar identificar movimentos ou escolas, propomos dar a ver um campo de debates, respeitando sua heterogeneidade, suas diversas temporalidades e tensões, mas que, mesmo assim, conseguiu construir alguns projetos compartilhados. Buscamos, portanto, abordar a crítica não procurando ver nela um saber especializado, mas antes, visamos nos aproximar dos críticos enquanto intelectuais que se interrogam e tornam públicas as suas ponderações sobre arquitetura. Assim, sem a pretensão de esgotar questões, o colóquio “A crítica da arquitetura, suas mídias e memória” busca explicitar a nebulosa de atores e debates que se avolumam em torno delas.

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Priscilla Alves Peixoto (crítica_memória-LANA-PROARQ-UFRJ)

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